Sob nova direção, Ann Demeulemeester está nua, ou quase.

Indubitavelmente respeitoso, Ludovic de Saint Sernin assume a direção da casa belga que tem códigos sólidos, sofisticados e, para muitos, difíceis de serem bem trabalhados.

Marcos Paulo
5 min readMar 17, 2023

_ Ser um jovem designer e estar à frente de uma clássica casa de moda belga pode ser amedrontador para muitos. Isso porque, a maioria das casas belgas flamengas tem códigos de marca bastante pregnantes, pessoais, subversivos e abstratos, o que é por si só, algo difícil de conseguir [vide uma inundação de marcas com identidade zero recentemente]. No entanto, Ludovic que abriu sua marca homônima em 2017, e desde então vem conquistando seu valor no universo da moda, topou o desafio.

Look de abertura Ann Demeulemeester F/W2023

_ O primeiro ponto que devemos prestar atenção é que a herança belga, vai para outro belga nesse caso. Apesar de radicado na França, Ludovic nasceu em Bruxelas, o que é algo interessante de se levar em consideração. Segundo ponto importante aqui, é considerar que o público de Ann Demeulemeester é FÃ [mais do que a imprensa, que pouco alarde fez de um desfile que merecia]. É mais do que um consumidor no sentido tradicional, é alguém devoto a tradição da casa. Para quem ver de fora, ela parece se repetir estação após estação em vários sentidos chegando a parecer boring.

_ E é exatamente por isso que Ludovic foi inteligentíssimo ao decidir por chegar de mansinho, sem chutar nenhuma porta [algo importante a se aprender quando se herda um legado]. O designer debruçou-se sobre o legado de Ann, sobre peças originais, aprendendo-as e vendo in loco a meticulosidade de corte que é uma das marcas da casa de Demeulemeester. Não só a meticulosidade, mas a poética, o experimentalismo, a fluidez, o sensual, romântico, sereno, sombrio que muito bebeu do protopunk [música de vanguarda de 60–70] para se firmar.

Looks Ann Demeulemeester F/W2023 por Ludovic de Saint Sernin

_ Nessa equação, os pontos óbvios de convergência em códigos entre Ann e Ludovic são a sensualidade e a fluidez. Fora isso, tudo é algo a se esperar. E com um olhar meticuloso aos detalhes, o designer assumiu a casa em um desfile inicial modesto, mas com um respeito cativante à herança da marca, o que certamente vai conquistar a simpatia do consumidor e espaço da marca para ele poder se expressar dentro dela. É um início de relacionamento muito bem elaborado.

_ Em um desfile em que vemos clássicos de Ann Demeulemeester revisitados por Saint Sernin, vimos a maioria dos códigos se manifestarem em plenitude. Definitivamente o must-have da exibição foram os bandeaus de pena e as saias de seda e cetim enviesados, mas também destaca-se a maioria dos vestidos que a matéria prima não apareceu tão rígida como o couro e as bolsas. Os pontos baixos foram os quase casaquetos e as botas quase equestres que nesta temporada nada tiveram o que fazer ali senão serem nostálgicas.

Looks Ann Demeulemeester F/W2023 por Ludovic de Saint Sernin

_ Vindo de Saint Sernin, nudez é algo que não pode faltar ou a sugestão a ela, aparentemente. É definitivamente um designer que adora o corpo desnudo. E é interessante como é inteligente transpor as transparências por cima de seios típicos de Demeulemeester para nada nos seios exceto as mãos em uma atitude romântica da nudez mais crua e selvagem que vimos nos desfiles da própria marca do designer. Há, nesse caso, um belo exemplo de mix de identidades.

_ No desfile, me pergunto onde ficou a poética, e a fluidez para além das transparências. Mas, não dá para se ter tudo em um exercício como este [estaria eu sendo muito tolerante? deixo o questionameto]. Para a próxima edição, espera-se que a serenidade e a poética sobressaiam nas roupas para além da ambiência e que Ludovic comece de fato a escrever uma continuação do legado de Ann Demeulemeester.

Looks Ann Demeulemeester F/W2023 por Ludovic de Saint Sernin

_ Nua ou não, não foi um desfile reviravolta que deixaria os fãs da marca horrorizados como o que aconteceu com a Celine após a saída de Phoebe Philo sob o comando de Hedi Slimane. Nua ou não, o nu apareceu com um propósito, com uma roupagem [risos] que obedece a um código e é disso que gostamos, respeito a herança e inovação de mãos dadas. O resultado foi uma postura elogiável ao jovem designer que fez um bom desfile, que nos deixou muito curiosos sobre o que ele vai escrever com aquela pena de couro para os próximos capítulos que vem por aí sob o nome da casa belga.

_ Abaixo você pode conferir o desfile na íntegra.

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