Lourenço, Lourenço… Qu’est que vous faites?

Lourenço ou Laurent? Retorno de Reinaldo Lourenço às passarelas levanta questões importantes para a moda brasileira, sua crítica e memória numa pretensiosa oportunidade de levar o nosso fazer ao status de “couture”.

Marcos Paulo
5 min readApr 26, 2023
Passarela realizada na FAAP para desfile de estreia da Reinaldo Lourenço Couture

_ Era 2020 quando fervilhava o assunto das acusações de racismo e assédio moral por marcas consagradas da moda brasileira [rip, @modaracista] e não só, mas com mais impacto sob as marcas que levam os nomes de Glória Coelho e Reinaldo Lourenço [clássicos da moda brasileira, btw]. E puft! Gerenciamento de crise. Um chá de sumiço. Poucas declarações. Algo como “errei e não tenho problema nenhum de admitir isso” e apontamentos para um caminho de melhorias no futuro. [veio aí?]

_ Três anos depois de um descanso de imagem, Reinaldo Lourenço volta agora com uma ambiciosa proposta “couture”, de certa maneira, uma ode à alta-costura parisiense. No entanto, este interlocutor que vos escreve é preto e orgulhoso de ser, portanto, minha memória não tem a mesma facilidade de esquecer acontecimentos que envolvem subjugar minha cor como [aparentemente] toda grande mídia teve. Sim… a facilidade… uma memória curtíssima, o poder de não refletir a respeito. [militância recreativa também?]

_ Isso quer dizer que não podemos seguir em frente? Que Reinaldo e sua marca devem ser sempre negligenciados dos holofotes e dos elogios cabíveis? Também não. Importa lembrar. E neste sentido a atual crítica de moda deste país deixa muito a desejar. Nos grandes veículos, foi necessário comentários de internautas para menção ao caso. Para que um acontecimento de apenas três anos atrás fosse rememorado. E também, nenhuma grande reflexão sobre o que o último desfile de Reinaldo Lourenço representou para moda brasileira. Decepcionante.

_ Mas se a crítica é ao que me proponho, então seguimos. Com quase 40 anos de marca, fica evidente que Reinaldo Lourenço não é uma persona [e falamos enquanto marca] irrelevante para a moda brasileira. Pois bem, tantos anos de casa, e seu primeiro desfile “couture”. E diante dele, as mais diversas colocações possíveis. A primeira delas é que é louvável que no meio de tantas marcas jovens fabricando produto mal acabado, prezando a imagem e número de vendas, se tenha por parte de alguém, o apreço pelo produto esmerado.

_ Essa qualidade, aliás, sempre foi uma característica do ateliê de Reinaldo. Seu produto caro [na maioria das vezes, mesmo o de prêt-à-porter, para a maioria dos brasileiros] é o que mantém cerca de meia centena de funcionários que trabalham internamente em seu ateliê em Pinheiros, capital paulista. No entanto, cabe-nos a reflexão, sobre a quem serve a moda “couture” com o preço e o esmero relacionados no Brasil de 2023.

_ Isso não retira o mérito de uma coleção com produtos bem feitos. Do básico, como pences em tule fechadas perfeitamente para os olhos contemplarem à alfaiataria com dezenas de recortes e jogo complexo entre tipos de entretelas. Digno do status que quer se aproximar, Reinaldo Lourenço, entrega sim, um show de produto quando falamos sobre matéria-prima, modelagem, acabamento, costura per si.

Looks de Reinaldo Lourenço Couture A/W 23

_ Contudo, não só de um bom produto vive a moda [vide Shein, por exemplo, infelizmente]. E também não é nenhuma novidade que a indústria nacional de confecção tem um poder absurdo de feitura de diversos tipos de artefatos. Falta a devida priorização, remuneração e tempo hábil, além dos investimentos em educação e outras políticas públicas que incentivem esse potencial… algo que parece absolutamente irrelevante para o frisson capitalista do consumo de mediocridades no qual [e pelo qual] estamos absorvidos.

_ Sedas rasgadas, vamos a reflexões que também nos são caras frente a este desfile que se autoproclamou “couture”. Tanto se intitulou que caiu numa armadilha básica, o de emular aquilo que deseja ser. Não ingênuo, reconhece-se as referências de Reinaldo para a coleção de muito longe…um momento belo de afrancesamento e um requinte que pretende satisfazer o desejo de “parecer” e no máximo de um “nós também temos”.

Looks de Reinaldo Lourenço Couture A/W 23

_ Mas, é isso que seria o surgimento de uma “couture” brasileira em pleno século XXI? Uma mera emulação de costumes franceses a começar pelo nome? Seria “Haute Couture” então se o termo não fosse patenteado pelo savoire faire parisiense?… Esse texto não é uma ode ufanista, mas a história da moda no Brasil merece mais. A cultura do querer parecer, da cópia e da emulação já deveria ser entendida pela moda brasileira como águas passadas e não reforçadas para nossas madames burguesas.

_ Nada contra a maneira de fazer uma moda slow e exclusivíssima, aos moldes da alta-costura parisiense, mas que se proponha o que é de fato exclusivo enquanto inspirações e personalidade de marca. Que se venda a Reinaldo Lourenço que cansamos de ver brincando com seus próprios códigos de marca várias e várias vezes e que neste desfile que deveria ser apoteótico sobre isso, apareceram tímidos. Recatados, quase sem espaço devido a pompa da emulação. Inclusive, nessas outras vezes, a marca apareceu por vezes, muito mais interessante do que aqui, vale constar.

_ Por fim, é uma volta agridoce, difícil ao palato. Acredito que este texto deveria ter um outro formato também. Neste ponto, que meu caro leitor já deve estar exausto. Mas, estas são apenas algumas questões primordiais e macro [perceba-se que não falamos de cor, estampas, etc…] que surgem de um desfile que traz consigo uma ambição como esta.

_ Com Reinaldo Lourenço de volta às passarelas nacionais, ainda que sufocado por “Sonhos e Memórias” estrangeiros, mas com uma boa roupa e um espetáculo mediano, podemos rememorar que racismo deve ser sempre inaceitável e trazer a memória também que produtos bem feitos são possíveis no meio de um mar de ultra fast fashion.

_ Abaixo você confere o desfile completo.

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Espaço de reflexão e crítica de moda.

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