Em tesão oportuno, a Diesel de Martens não tem espaço para o ordinário

A Diesel italiana entrega para moda nova-iorquina atualmente morna, uma perspectiva de completude importante para que os desfiles da capital da moda estadunidense voltem a ser protagonistas mundiais de fato.

Marcos Paulo
5 min readMar 31, 2023
Cenário desfile Diesel FW/2023

_ Faz um tempo que não vemos nada muito empolgante na moda estadunidense desde as últimas crises com relação a organização do calendário de moda. Entra designer, sai designer, marca desfila lá, cá, acolá, e nada parece devolver o brilho de uma NYFW em apagamento. Há poucos momentos de êxtase providenciados por Marc Jacobs, Thom Browne, e até mesmo, pasmem… Hilfiger [nada contra].

_ Porém, nenhum desses movimentos isolados contam de fato com uma coletividade [ou pelo menos um senso de]. Com respeito, mas nada ali pareceu ser tão empolgante como conjunto quanto o desfile da Diesel assinado pelo belga Glenn Martens para o Outono Inverno 2023 da marca. Importante deixar claro, que mesmo italiana, a Diesel é uma das poucas marcas europeias que tem tanto apelo de estilo estadunidense de vestir muito marcado pelo jeans e camisetinha, vide Calvin Klein. Obviamente, a Diesel, assim como os italianos em estilo, tem uma predisposição a ser mais arrojada [aka bold].

_ Para esta crítica, a fórmula parece ser simples, e nada exatamente desconhecido ou, de outro mundo… Em um cenário espiral que culmina em uma montanha de camisinhas [sim, 200 mil caixinhas] resultante da parceria de double “d”s (Diesel + Durex) numa ação de marketing positiva para as vendas e, mais importante, para conscientização de um comportamento sexual mais livre e saudável voltado ao prazer + proteção, desfilam os modelos de Martens para essa temporada com um primeiro ponto de relevância que não vimos há bastante tempo: 76 looks, em uma edição primorosa, em que, tirar alguns, mesmo que pedestres, seria desperdício.

Looks desfilados para edição da Diesel FW/2023

_ Um outro ponto: o pedestre da Diesel é interessante. Tem uma imagem de moda que brinca entre o audacioso e nostálgico na maioria das vezes brincando no mix silhueta, tipologia do produto e técnica. Nesse jogo, a Diesel se mantém nostálgica fazendo grandes acenos a seu guarda-roupa clássico, mas de maneira fresh, que pode ser enxergada como vintage, mas veste tranquilamente qualquer millenial ou genZ mais descoladinho. Ponto para a versatilidade, com clientes múltiplos e bem atendidos sob uma mesma marca.

_ Também não é novidade que Martens tem uma exploração técnica interessante, a depender da etiqueta que assume [vide projetos paralelos do designer]. Pois bem, na Diesel, ela é pouco pretensiosa mas ao mesmo tempo quase luxuosa e voltada a princípios de sustentabilidade. O beneficiamento e tratamento das peças apresentadas são um deleite de observar e se perguntar: como se faz isso? É de que? Que tecido é esse? É sobra mesmo? E por aí vai. É um jeitinho de fazer roupa que se revela na maneira de fazer desfile: pensando no projeto, como pacote completo, como design em uma abordagem essencial.

Looks para Diesel FW/2023 por Glenn Martens

_ Tudo isso, faz com o desfile da Diesel se consolide como um dos mais interessantes da temporada, que despertam o tesão do espectador, grande parte advindo de uma gama de desfiles frente a esse, mornos. Resultado: isso amplifica a sensação de distância não só da imagem de moda, mas do fazer moda da marca italiana do restante das que vieram de semanas de moda anteriores sem destaque de uma produção e concepção de moda afiada que pensa uma completude que hoje, sentimos saudades.

_ Vai além da imagem para chocar nas redes [óbvio que isso também é pensado seja lá qual seja o desfile feito nesses tempos], mas existe um primor no pensamento do desfile enquanto uma experiência “pacote completo” que tendemos a ver quando a moda efervescia em disputa no final do século XX, período este em que a Diesel [fully disruptiva] ajudou a redefinir campanhas de ready to wear pelo mundo. Falando nesse tempo, muitas são as referências de peças e até mesmo design gráfico que remete a essa temporalidade no desfile [a nostalgia vem daí mesmo].

Looks para Diesel FW/2023 por Glenn Martens

_ Não é total surpresa que dentro da Diesel, Martens não vá se apoiar na publicidade e no design gráfico estadunidense de vanguarda em algum momento, o pop arte publicitário que os EUA supostamente dominam[-ram]. É uma estratégia inteligente de usar a herança cultural a seu favor. Fora isso, há um momento importante de alguns looks em que texturas se tornam, de certo, grafismos por meio da visualidade. Ali, não só há uma percepção de produto, mas como também, uma aguçada provocação visual que compõe uma imagem de moda que fascina quem ver.

_ Ah, o pudor…[?]. Que fique tão [des]censurado quanto a gama de gemidos de tesão que ouvimos repetidamente na trilha. Afinal é a Diesel: as entrelinhas estão em caixa alta sem serifa, em negrito e tamanho 48+. É o gozo pelo gozo, sem medo de ser feliz, mas, protegido [remember, grab a condom ma’darling]. É interessante também pensar que isso é de fato a coisa menos interessante que compõe um desfile não revolucionário, mas bem pensado enquanto conjunto, o que deveria ser regra, não exceção, e quando é feito, se faz perceber a quilômetros de distância dos concorrentes que não estão considerando uma visão dessa forma. Que sirva de lição e se aprenda a partir de então.

_ Abaixo, acompanhe todo o desfile.

--

--

Marcos Paulo
Marcos Paulo

Written by Marcos Paulo

Espaço de reflexão e crítica de moda.

No responses yet